Saber respirar – um mecanismo quase esquecido

25-04-2013 15:13

Nem sempre aprendemos a melhorar as chamadas “coisas do instinto”. Assim que surgimos no Mundo, o primeiro acto que forçosamente tem de se aprender é respirar. Respirar naqueles primeiros segundos de vida, significa, na verdade, poder sobreviver, absorver o ar que, com o seu oxigénio, significa claramente ter direito a viver! Sim, o ar é vida!

Se tal realidade é quase instintiva, nem que isso, por vezes, se traduza num choro da criança que nasceu, também não é menos correcto que, ao longo das dezenas de anos que vamos vivendo, pouco fazemos para melhorar essa função . À medida que crescemos, a respiração deixa de preocupar o cidadão sedentário. É um mecanismo instintivo e, no entanto, com alguns “pequenos nadas”, pode haver uma melhoria muito significativa nessa função vital. Para nós, corredores, saber respirar bem, aproveitar toda a essência do ar que entra nos pulmões, é algo deveras importante. O texto do Dr. James Cury.fisiologista canadiano, abre novas perspectivas a qualquer desportista para aproveitar cada gota do oxigénio que lhe chega ao sangue. (M.M.)

Saber respirar … Mas isso todos julgam saber, é mecanismo quase autónomo, de natureza quase instintiva, estilo máquina que funciona sem nunca parar e para a qual não são necessário grandes cuidados. Tal como um enorme fole de uma forja, os pulmões do Ser Humano abrem-se e fecham-se milhares, milhões de vezes, ao longo da sua existência. Todavia, saber respirar é função que nem todos conhecem!

Quem começa a correr, quem corre apenas uns escassos minutos, acaba por ter muitas, muitas dúvidas, quanto ao melhor funcionamento desse “fole”. Uma delas, quase implícita a quem corre algumas centenas de metros, é directa e simples: será melhor respirar pela boca ou pelo nariz?
Ora aqui está uma dúvida, por vezes de tamanho enorme e que nem sempre o pacato’, cidadão sedentário pensa nela. No entanto, assim que o corpo humano é obrigado a maior trabalho muscular, de âmbito mais próximo de esforço mais ou menos continuo, essa pertinente dúvida aparece como enorme ponto de interrogação.

PELA BOCA OU NARIZ?

Quem tem algumas noções sobre higiene corporal, talvez tenha ouvido dizer ser preferível respirar pelo nariz, pois essa parte anatómica do nosso organismo apresenta uma particularidade importante. Com efeito, uma multitude de pequenos pêlos, situados no interior de cada uma das fossas nasais, constitui, por função directa, como que um enorme filtro básico, capaz de impedir a entrada de pequenas partículas de pó para o interior dos pulmões.

Se tal premissa é uma realidade, uma outra, talvez não menos importante, diz respeito à função de aquecimento do ar que, uma vez vinculado por esses filtros, vai aquecendo, o que se traduz numa entrada de ar relativamente já aquecido para a zona dos pulmões, função importante para possibilitar a melhor absorção do precioso oxigénio.

Estas são noções que muitos aprendem na escola, mas ninguém nos diz como actuar em plena corrida e, claro, para quem pelas primeiras vezes começa a pensar nisso, as dúvidas são muitas. E se respirarmos só e de forma continua pela boca, será que o ar chega “arrefecido” aos pulmões? Por outro lado, dar-se-á o caso de entrada de grandes lufadas de poeiras? São dúvidas e mais dúvidas, e não é raro encontrarmos corredores que, uma vez iniciado o esforço físico, apenas procuram respirar pelo nariz …

Constituirá isso um erro?
Será esse o melhor processo para defendermos li nossa saúde? A resposta é simples: trata-se de um grande erro respirar pelo nariz em plena corrida. O corredor, qualquer que seja a distância a vencer, deve esquecer essa pequena parte do seu corpo. Para quem corre, nariz não existe, todo o ar deve circular livremente pela boca e apenas por essa via respiratória.

Em pleno esforço, com o atleta bem aquecido devido ao intenso e contínuo trabalho muscular, o ar, ao entrar, é automaticamente aquecido. Quanto às poeiras, pouco importam, pois o ciclo de ventilação pulmonar é demasiado intenso para que haja acumulação de algo nefasto para a saúde.

Porém, se essa corrida for feita numa zona poluída, digamos, bem próximo de auto-estrada, com circulação de dezenas de viaturas em cada minuto? Para responder a tal questão, vejamos o que se sabe em termos de testes científicos.

Em 1999, um estudo canadiano colocou dois grupos de 20 indivíduos em situação directa de poluição motora. O grupo A, formado por corredores de Maratona, foi convidado a efectuar 12 km em ritmo de 12 km/hora numa estrada paralela a outra de grande circulação.
Quanto ao grupo B, formado por indivíduos não desportistas, a proposta foi a de, caminharem durante o mesmo período (60 minutos) em ritmo tranquilo de 4 km/h.
Findo o esforço, avaliou-se o grau de poluição “absorvido” por cada grupo.

Conclusão: os elementos do grupo A apresentava menor teor de toxinas poluentes do que os do grupo B.
Como era isso possível, dado que os individuos de ambos os grupos tinham ficado 60 minutos expostos’ a uma atmosfera potencialmente poluente?
A resposta possível para estes dados é que os corredores, ao efectuarem um maior trabalho ventilador, tinham “limpo” de maneira activa a zona pulmonar, enquanto os do grupo B, que apenas caminharam, tinham acumulado mais resíduos. pois o seu circulo de respiração tinha sido muito mais lento.

APENAS 30% DE OXIGÉNIO

Diz-se que o Corpo Humano é quase uma máquina perfeita. Funciona continuamente anos a fio, em sistemas quase automáticos e, contudo, no que se refere a esse elemento vital para a nossa sobrevivência, o’ oxigénio, chegamos à conclusão que há um enorme desperdício de um bem tão precioso.

Sem oxigénio não há vida … O ar desta nossa Terra é composto por cerca de 70% desse elemento vital e, não obstante tal facto, cada vez que respiramos apenas se aproveitam escassos 30% de oxigénio. O resto, ou seja, a maioria desse elemento tão importante não se aproveita e é simplesmente deitado fora de novo em ‘cada expiração. Resumindo, ao inspirarmos entra um volume de 70% de oxigénio, mas apenas conseguimos reter nos pulmões 30%, enquanto o resto é sempre devolvido ao ar. ..

Muito bem, dirão os nossos leitores, mas o que importa isso? Nós respiramos automaticamente, e saber-se que ficam lá 30% de 02 pouco significado tem. Mas, pergunta-se, será que tal pormenor pouco importa?

Não, amigos corredores, importa mesmo muito, e da próxima vez que recomeçar as suas passadas de esforço, vai mesmo pensar no assunto. Importa muito porque, se em cada INSPIRAÇÃO temos 70% de 02 e apenas aproveitamos 30%, isso significa que o acto de INSPIRAR não é o mais importante, mas, sim, o momento seguinte, o da EXPIRAÇÃO.

Pois é, cansamo-nos não por falta de oxigénio que nos surge em automático em cada INSPIRAÇÃO, mas, sim, e essa é a grande verdade, porque ao EXPIRARMOS não conseguimos libertar todas as toxinas acumuladas pelo esforço! Conclusão fundamental para qualquer corredor: é muito mais importante atuar fortemente na EXPIRAÇÃO do que na fase da INSPIRAÇÃO!

DEITAR O AR FORA …

Os erros mais frequentes nas práticas desportivas podem ser apresentados por dois principais vetores:

1 – Expirações rápidas,
2 – Respiração curta/rápida.

Mediante expirações realizadas de forma curta e rápida, estamos a encurtar a fase de eliminação das toxinas e, consequentemente, acabamos por nos cansar com mais facilidade. O tempo da expiração tem de conter sempre uma duração muito maior do que o da inspiração. Oxigénio nunca nos irá faltar, como explicámos anteriormente, o que nos “mata” é não conseguirmos evacuar as’ toxinas com a mesma facilidade com que o oxigénio nos chega aos pulmões. Garantir o esvaziamento dos pulmões, deve ser a preocupação suprema do atleta em pleno esforço, de maneira a que o chamado “ar viciado” do ciclo respiratório anterior não se acumule aos poucos e, volvidos alguns minutos, nos obrigue a correr mais
lentamente.

Mas isso é difícil, dirão os atletas, porque durante o esforço existem muitas coisas em que pensar … (N.R.: No entanto, ainda há muitas pessoas que se interrogam sobre o que pensam os corredores de fundo durante os longos minutos do seu esforço?) Como é possível auto matizar-se esse tipo diferente, quase artificial, de mecanismos respiratórios?

Em termos práticos, o que recomendamos por apresentar resultados muito positivos, e logo a partir das primeiras sessões, é tentar expirar durante três passadas e inspirar apenas durante as duas passadas seguintes. É simples, eficaz, e a fórmula mental a interiorizar é 3+2 … 3+2 …
Desta maneira, estamos a educar-nos para fazer uso de toda a capacidade respiratória durante esforços prolongados. Para o conseguir, há que pensar nessa premissa durante as nossas corridás, concentrando-nos nos mecanismos da respiração de maneira a que tal prática, com o avançar das sessões de treino, passe a ser quase automática.

Não será fácil nas primeiras sessões, mas, depois, consegue-se, e com grandes resultados quanto à eficiência do rendimento físico durante as corridas, principalmente aquelas cuja duração é prolongada.

RESPIRAÇÃO DIAFRAGMÁ TICA

Outro aspecto que o atleta deve privilegiar, é a chamada respiração diafragmática, que tem como finalidade o ”enchimento” da parte inferior dos pulmões.

Porém, muitos perguntarão: mas como o conseguir? Corno exercício prático, o desportista tem de se deitar de costas no chão, colocár as mãos sobre a barriga e inspirar com toda a calma:

1 – Se as suas mãos não se moveram ou até desceram, está a respirar apenas com os músculos da caixa torácica;
2 – Se verificar que as mãos se elevaram, efectuou aquilo a que se chama de respiração diafragmática.

Importa explicar que o diafragma é o músculo que separa a caixa· torácica do abdómen. E um músculo forte que e~tá sempre em movimento ondulatório, pois regulariza os ciclicos momentos das fases respiratórias. A utilização deste músculo e os da caixa torácica permitem a exploração de toda a capacidade pulmonar, ou seja, uma eficaz circulação do ”novo ar” que entra regularmente nos pulmões
e o respectivo esvaziamento. . Saber efectuar com eficácia um tipo de respiração com forte teor diafragmático é importante, mas também temos de concordar que isso não é fácil nas primeiras execuções ..

AGORA, CORREMOS MELHOR?

Se é certo que sabendo respirar melhor, digamos, com maior eficiência, podem ser obtidos melhores resultados nas corridas, também não é menos verdade que; uma boa circulação de oxigénio, acompanhada por eficaz eliminação das toxinas, não basta.

O Corpo Humano tem de saber aplicar eficazmente o oxigénio que chega’ aos seus pulmões e tal mecanismo é designado por V02max:

Afinal, em termos diretos, o que é o V02 ? .
Consiste na capacidade de absorção de oxigénio, ou seja, o volume de oxigénio, em mililitros, que o nosso organismo consegue transportar em cada minuto para os músculos através do seu sistema sanguíneo, e directamente relacionado com cada quilograma de peso corporal.

Para conseguir a melhoria do V02max, há que treinar com regularidade, no mínimo, três a quatro vezes por semana, entre 35 a 45 minutos de corrida e com uma intensidade que permita ao indivíduo manter, tanto quanto possível, uma conversão digamos normal. O poder falar enquanto se corre é uma boa indicação de que corremos dentro dos chamados parâmetros de equilíbrio de oxigénio. Sabemos de muitos desportistas que vão para ginásios durante qualquer coisa como 60 minutos na mira de obterem facilmente um superior grau de condição física. Conseguem-no, quer no tocante a uma musculatura mais dinâmica quer no que se refere a outros parâmetros físicos.

Porém, se correm, como muitos fazem, em cima de tapetes rolantes, ou mesmo no exterior dos edifícios, durante apenas 15 a 25 minutos umas 3 a 4 vezes por semana, não vão poder melhorar os seus parâmetros básicos de V02max. Em contrapartida, se o tempo de treino sofrer um ligeiro aumento, como, por exemplo, de 25 a 35 minutos, então pode quase triplicar a média do seu grau de Forma. O aumento de uns minutos podem traduzir-se em resultados mais duradouros.

Pelo Dr. James Cury